Eu não gosto de justificar coisas com astrologia, principalmente comportamentos. Não gosto de acreditar que alguém chora muito porque é de peixes ou indeciso porque é de libra. Eu mesma não tenho nada em virgem, mas sempre surpreendo alguém com minha organização, que brevemente aqui na minha auto análise já escalou para uma mania e tem caminhado a passos firmes para uma obsessão. É claro, em nome da diversão e dos ótimos memes em cima dos estereótipos eu levo à sério toda criatividade e comunicação dos geminianos, mas não quando me dão uma previsões ruins. Ou seja, em resumo, acredito na astrologia só quando ela me convém.
E me convém nesse momento dizer que, como geminiana, já tive muitas fases de personalidades completamente diferentes umas das outras, mas que ainda assim dizem muito sobre mim porque quando esbarro em algo de alguma personalidade do meu antigo testamento, ela ainda faz sentido de alguma forma.
Na infância me lembro de alternar entre uma nerd de livros e tecnologia com uma criança performática que amava copiar o que via e ouvia na TV.
Na adolescência, dos 13 aos 15, fui emo. Emo mesmo. Aquela clássica de franja lisa e cabelo cacheado, uma vez sem sucesso descolorido e pintado de laranja pra parecer a Hayley Williams do Paramore, mas que acertei longe demais e só me rendeu o apelido de ‘’água de salsicha’’ na escola. Munhequeiras quadriculadas, lápis de olho preto bem longe da linha d’água, correntes, banda Fresno e um sonho nunca realizado de assisti-los no Clube dos 500 em Duque de Caxias.
A partir dos 15 fui hippie por um tempo tão preocupante que minha mãe tinha o medo real que eu nunca quisesse nada além de vender miçanga, me esconder no mato e largar o nada que eu tinha pra viver com menos ainda. Compreensível. Esse ‘eu’ foi tão genuíno que mensalmente a ideia de me esconder no mato vem me visitar e lembrar que talvez não fosse uma ideia tão ruim assim.
Em paralelo a tudo isso que eu fui, aparentemente com pouca coisa pra pensar, também cultivei lá no fundo um mundo de todas as coisas que não fui. Ou porque não tive tempo de ser. Ou porque não me cabia mesmo e descartei rápido, não sustentei a personagem, mas esse era outro pensamento que me visitava com frequência. Tentando entender de onde ele veio, a explicação que encontrei é meio moradora da coitadolândia, meio síndrome da diferentona, mas eu tinha um fascínio pelo lugar do outro porque ele me parecia, com todo respeito, muito mais fácil que o meu. Tudo seria mais fácil se eu fosse daquele jeito que não é o meu e vivesse aquela vida que não é a minha.
Alguns anos atrás cheguei a rascunhar uma personalidade que apelidei carinhosamente de ‘’Santa Ignorância’’ que acabou resultando em uma conhecida da escola que era exatamente tudo o que eu escrevi. A personalidade e, no caso, a amiga, tem os mesmos cabelos loiros, unha acrigel e bio do instagram com o período da faculdade e uma aliança com o namorado. Ambas moram na Barra da Tijuca e passam as férias em Búzios fazendo boomerangs com seus drinks e fotos ao pôr do sol com a legenda ‘’existe paraíso na terra’’.
Confesso que, às vezes, eu visito o perfil dessa conhecida pra ver como estão as coisas e me atualizar de como é o mundo normal, mas o pensamento de querer ser outra pessoa não me visita faz tempo. Acho que enfim estou em paz e entendi que não quero ser de outro jeito. Eu gosto de ser eu. Na verdade, acho que eu e o que eu sou hoje estamos em uma ótima fase. Apesar das inconstâncias, e aí uma vantagem de ter tantos registros sobre mim mesma, algumas coisas nunca mudaram. Recentemente reli umas anotações do começo da terapia e fiquei feliz de ler que estou vivendo quase tudo aquilo que escrevi ser um objetivo.
Leio mais, escrevo com frequência, sou mãe, tenho ótimos relacionamentos ao meu redor, moro em um lugar que eu gosto muito e aquilo que eu não estou satisfeita estou me movimentando pra mudar. Pelo menos isso posso dizer com firmeza que sempre foi uma constante: não tenho medo de mudar. Coisa de geminiano né. Mantenho meus hiperfocos sazonais como The Sims, maquiagem, séries, filmes de apocalipse e um esporte novo porque ninguém é uma coisa só, meu algoritmo do tik tok que diga, mas vai dizer que não tem muito da minha criança e adolescente aí também?
Não me lembro como cheguei até esse assunto, acho que o livro que estou lendo onde uma mulher solteira e sem filhos, dona de uma livraria com a melhor amiga, se transporta em sonho para uma vida paralela onde ela é casada e tem três filhos. Ou eu gostei demais de ‘’Biblioteca da Meia Noite’’, o polêmico livro detonado pelo Felipe Neto - mas quem liga?, onde uma mulher entre a vida e a morte começa a experimentar todas as outras vidas que poderia ter tido, se tivesse feito outras escolhas. E as possibilidades são infinitas, os horizontes também. É uma pira ‘’Tudo. Em Todo Lugar. Ao mesmo tempo’’
Ou meu subsconsciente ainda tá influenciado pelo filme Divertidamente e qualquer silêncio do meu dia eu me pego pensando em quais seriam as ilhas que me definem e se minhas emoções também tinham franja lisa. Fiquei pensando nelas olhando abismadas pela janela quando viam um pedacinho de personalidade demolindo e a ilha da banda Fresno virando a ilha Beyoncé.
Essa é uma boa imagem. A da ilha. Me sinto cada dia botando uma pázinha de areia nessa de agora, a da escrita, que antes era só um montinho tímido lá no fundo de todas as coisas que eu sou e gosto e estava só se preparando pra um dia gritar que existe, e aos poucos ela cresce e vai tomando o centro que tanto tinha vontade. E é esquisito, dá medo, dá vergonha, dá uma sensação constante de estar fazendo algo muito importante cada vez que decido expor aquilo que ainda não me considero tão boa quanto gostaria, mas que preciso ser paciente e lembrar que escolhi uma nova habilidade quase do zero, e não satisfeita escolhi crescer publicamente e exercitar tudo isso em voz alta.
E me lembrar o tempo inteiro que isso não é novo, isso sempre foi meu.
Que a gente muda o tempo inteiro e que bom!
Mas isso não.
Eu ouvi o podcast enquanto trabalhava e depois vim aqui ler a versão escrita. Não sei se isso vai soar como elogio mas pra mim é algo bom. Eu ouvi e me arrancou boas risadas em vários momentos. Mas não é sobre isso.
Enquanto eu ouvia me remeteu a uma produção tão própria e maravilhosamente brasileira. Eu senti que eu estava vendo um filme de olhos fechados, numa cena na qual a protagonista fazia um monólogo e refletia sobre a própria existência. Monólogo esse que precederia o desenrolar do filme, caso fosse um. Não sei! Me remeteu a cinema brasileiro, a teatro brasileiro. Pra mim, foi maravilhoso.
Que escrita envolvente você tem! Todas às vezes que eu leio um texto teu, me lembro do dia no supermercado que você trocou um chocolate por um gibi. Você não tinha nem 5 anos, acho que na verdade nem sabia ler rsrs mas me orgulhei tanto que acabei dando o chocolate como brinde pela belíssima troca. Que os astros escrevam uma linda trajetória pra você.