Eu tinha oito anos e estava na festa de aniversário de uma amiga da escola. Era naquele salão chique de Nilópolis, o ‘’Fantasy’’. Na pista de dança tinha uma luz estroboscópica e eu encarei ela por duas músicas inteiras até ficar muito tonta. Quando já mal me aguentava em pé e insistia em tentar dançar, pensei: estar bêbada deve ser assim.
Eu tinha quinze anos quando bebi pela primeira vez em uma festa de quinze anos. Foi uma Smirnoff Ice de Kiwi. Parecia suco com gás e eu não senti nada, mas insisti em tentar tomando outras seis.
Eu tinha dezoito anos quando tomei meu primeiro porre de algum destilado em uma festa pra atores. Perdi minha bolsa, meu celular, não me lembro de nada daquela noite e nem da história que contei pros meus pais pra sair dessa sem parecer tão culpada. Eu tinha dezenove anos quando bebi nove skol beats pra comemorar nove meses de namoro. Dormi no chão da praça ali no Baixo Gávea, não sei como fui pra casa, escrevi cinco páginas de texto com uma caneta sem tinta, levantei de madrugada pra ficar com meus amigos na sala mesmo não tendo ninguém. Mas eu via todos eles.
Pra variar, eu não me lembro de nada, mas me contaram essa história algumas vezes e eu até gostei. Pensei que renderia um boa história pra contar no programa do Porchat.
Ali no começo da maioridade todos os meus amigos bebiam muita cerveja, menos eu. Intrigada e propensa a decisões duvidosas (lê-se jovem), me forcei todos os dias um pouquinho até gostar. Senti que devia beber já que era óbvio que eu estava perdendo alguma coisa! O transe, a euforia, a juventude, alguma aposta, ser mais desinibida, divertida, pertencer ao grupo, à noite. Ninguém te chama pra tomar um suco. Até então a vida sem álcool parecia sem cabimento, cafona e cheia de julgamentos porque essa decisão faria de mim chata demais, velha demais, certinha demais, mas a verdade é que eu nunca gostei de beber. Eu não gostava de vinho, de vodka, cerveja, catuaba, cerveja COM catuaba, muito menos do buraco fundo que entramos nos últimos anos com corote, caninha da roça e qualquer outra bebida de - literalmente - centavos.
Eu gostava de não lembrar do meu nome, não saber como cheguei em casa, não lembrar de absolutamente nada que aconteceu de 23h às 6h. Eu me sentia transcendendo enquanto me deslocava da realidade e acho que até Deus fechou os olhos pra não ver até onde toda essa inconsequência já me levou. Mas eu vi.
Eu me vi cair de cara no chão e abrir o queixo, me vi chorando deitada na calçada enquanto me reconheciam por um trabalho, me vi beber sozinha uma garrafa de vinho às 7 da manhã pra conseguir dormir depois de gravar, perdi muito a hora, muitos ônibus, arrisquei relações, perdi relações, perdi muitas lembranças também… Há quem não acredite em amnésia alcóolica, mas tenho inúmeros vácuos na minha memória das noites que não soube a hora de parar.
Enquanto assistia de fora a história de horror que vinha escrevendo, eu pensava baixinho e com medo lá no fundo de mim: acho que isso é um problema, mas depois eu vejo. E quando achei que já tinha feito estragos o suficiente comigo mesma e com os outros, parei. E não foi fácil. Não está sendo fácil. E foi assim que oficializei tudo isso como um problema. Eu sinto falta de não estar sóbria. Não da língua amarga no dia seguinte, da cabeça latejante e o corpo estragado, mas vamos combinar que a vida não tá tão imperdível assim a ponto de querer estar consciente o tempo todo. Então sim, eu sinto falta.
Já pensei em virar fumante, mas prefiro ser cheirosa e isso iria muito na contra mão da minha rotina de ‘‘atleta’’. Também pensei em fumar maconha, mas dá muito trabalho e eu já não tenho a melhor respiração do mundo. Já pensei em buscar chás, colorir mandalas, fazer leite, tofu, desenvolver uma habilidade mais artesanal e acabei esbarrando no meu atual pacto com a vida saudável e o melhor pro meu corpo, mas como boa desconhecedora dos limites que sou acabo malhando seis horas e meia por semana e pedalando quase 50km em um passeio simples.
Não está sendo fácil, mas todo dia acordo aliviada por estar inteira, segura e saudável.
Sem ressaca, sem medo, sem receio de olhar meu celular e o que eu posso ter feito.
Não está sendo fácil, mas nas noites fora tenho aprendido a me divertir independente do que deixei pra trás e não tem sido ruim.
Não está sendo fácil, mas se você quiser me recomendar um novo vício saudável ou uma nova habilidade artesanal eu vou aceitar porque adoro uma novidade.
Não está sendo fácil, mas vai completar um ano que estou me escolhendo e apesar de tudo tem sido bom.
obrigada por compartilhar e ser tão transparente.
um dica de um novo hábito: colagem ou criar aqueles "journal" só de fotografias e colagens com coisas daquele dia (uma embalagem, por exemplo), tipo scrapbook mesmo, faço um com dias que gostei e tem sido terapêutico e ao invés de revelar as fotos, eu imprimo em papel fotográfico ou papel adesivo pq cabem várias fotos menores e eu posso cortar no formato que eu quiser, além de sair mais barato. Comprei um caderno desses menores baratinhos tb.
Já pensou em pintar? Com lápis de cor mesmo! Eu amo! ♥️ É meu vício antiestresse.